Exposição anterior:
Cristina Valadas
Tudo-nada, Sempre.
de 2017-03-11
a 2017-04-13
TUDO – NADA – SEMPRE
Protegei-me da sabedoria que não chora, da filosofia que não ri e
da grandeza que não se inclina perante as crianças.
Khali Gibran, 1883-1931
Porque é que começamos a falar de sabedoria? E porque é que falamos do conceito de sabedoria na perspectiva do poeta libanês Khali Gibran? Por duas razões que trazem tanto de simples como de trabalhoso.
Em primeiro lugar, porque a arte da Cristina Valadas carrega um elemento de luta interna, um esforço de compreensão e aprendizagem igual ao de estudar os grandes textos dos grandes filósofos. Uma abertura de mente e de espírito que faz e nós pessoas melhores. Esse debate de perspectivas, esse encontro entre a percepção singular e a narrativa universal, esse iluminar de muitas sombras são, necessariamente, actos de pura sabedoria.
Em segundo lugar, vive, na pessoa e na obra da Cristina Valadas, aquela forma específica de sabedoria sensível e senciente, que chora e que ri, que sente Tudo, que não se esconde de Nada, que se deixa encantar e engrandecer, que vai Sempre a jogo e que se cumpre sem reserva.
Em Tudo – Nada – Sempre, acompanhamos a essência do percurso humano – sonho e angústia, luta e rendição, extinção e renascimento – numa narrativa que, como é próprio na criação da Cristina Valadas, não tem como cenário o mundo na sua global amplitude, mas a essência despida de cada um, o lugar mais íntimo de silêncio onde nos encontramos connosco próprios, e onde nos descobrimos tão universalmente iguais.
Tudo ou Os Desenhos da Rendição
Na primeira margem do percurso que a Cristina propõe, encontramos um conjunto de composições de desenho e colagem, onde os tons de cinza e de carvão se sobrepõem a alguns elementos a vermelho sangue. A figura humana, feminina, faz metáfora do ser que, germinado de uma natureza rica e colorida, cumpre o seu caminho, entre o sonho que construiu para si próprio e a realidade que se entrepõe, a exigir a entrega absoluta de Tudo o que o ser é. Um Tudo que se identifica, primeiro, no amor absoluto e, depois, na libertação umbilical, na cedência do controlo sobre as coisas mais necessárias, no respeito de um espaço em que possam, por elas próprias, respirar e crescer.
Nada ou O Espaço da Plenitude
A segunda margem do nosso encontro com esta proposta da Cristina, e de encontro do ser consigo próprio, faz-se através de composições que posam em caixas escuras de onde transcorre uma luz surpreendente. Vive aqui um patamar de introspecção e de autoconhecimento só possível depois do momento de entrega incondicional que se deixa para trás. A mesma figura feminina – o ser – é retratada sem amarras ou preconceitos, vazia de Tudo o que lhe é alheio, plena de verdade e capaz de se observar e compreender. Uma perspectiva que traz apenas aceitação, em que Nada é arrependimento e Nada é sentença.
Sempre ou A Tese da Esperança
A terceira margem desta exposição, que se encontra oposta à primeira, como se do outro lado da travessia, faz a metáfora da reinvenção e do retorno, da luz e da cor. O reclamar de um estado plenamente livre, inteiramente confortável e profundamente criativo, que decorre dos momentos anteriores de abnegação violenta e de aceitação serena. Assiste-se, agora, à sublimação da capacidade geradora e regeneradora do ser, ao entendimento de que o próprio percurso se encarregará de cada passo, e de que a esperança se encarregará do futuro. A escala de dimensões e a paleta de cores concretizam a primeira expressão da capacidade de maravilha. As composições insinuam a conexão do ser à sua essência e a alegria simples de um momento que é, ao mesmo tempo, a percepção possível do conceito de Sempre.
Os trabalhos que a Cristina Valadas reúne sob o tema Tudo – Nada – Sempre, entregam-nos uma proposta de análise da essência humana, que joga com os conceitos de único e comum, singular e global numa relação muito própria da artista. Mais do que um conjunto de trabalhos, mais até do que uma exposição, apresentam-se os capítulos de uma história universal, as etapas de um ciclo que se curva, fecha e repete e que, num momento, carrega a promessa de Tudo, no memento seguinte se rende no entendimento de ser senhor de Nada, para, finalmente, atingir a paz libertadora da reinvenção e a capacidade de iluminar Sempre a sua própria existência.
Raquel Patriarca