Exposição anterior:
António Trindade
Talk with Flowers
de 2012-06-30
a 2012-08-02
É certo que vivemos em tempos de crise, tempos de cinza, tempos de angústia, tempos de nostalgia e de “ausência de cor”. Entenda-se a metáfora da “ausência de cor”. Troikas, sacrifícios e afins. Mas foi precisamente neste tempo de vazios que me acordei em outros, mas sobretudo em novos tempos, curiosamente a partir de outros também.
Parece paradoxal mas não é. O negativo traz o positivo. Abri assim um novo ciclo de trabalhos que de alguma forma se distanciam deliberadamente do espelho de crise da nossa contemporaneidade.
E foi a partir desse mal estar geral, que me reencontrei noutros lugares, noutros espaços, e virei o rumo dos acontecimentos, pois quanto mais negativo surgia o espelho actual do estado das coisas, mais depressa e de forma acelerada me surgiam em mente invocações do passado, de memórias, de instantes, de velhos filmes e de novos filmes, de velhas telas, de velhos pintores, de cenários perdidos os quais sempre sonhei e admirei. Alguém muito especial finalmente surgiu também na minha vida e esse facto acelerou a composição da ideia Talk With Flowers para esta nova série. No ruído e na poluição das cidades e das pessoas, reencontrei felizmente um novo caminho, um novo ciclo, pictórico e de vida, que me obrigaram instantaneamente a seleccionar novas fontes para os módulos que represento agora. Por essa razão surge o novo elemento das flores, compressas e soltas, com toda a sua carga semântica, cujas conotações ultrapassam a simples visibilidade e apelam a outros sentidos e histórias, boas histórias. Nesta nova série fui buscar novas fontes a uma série de registos de imagens, algumas delas de filmes conhecidos, como é o caso de “The Edge of Love”, de John Maybury e lançado em 2008, citando um exemplo, cujas imagens que congelei desse realizador foram manipuladas posteriormente, como eu aliás gosto muito de fazer. Daqui surge também a série Vintage, recuperando um tempo e um sentimento aparentemente perdidos neste novo século. Surgem também referências do “Espelho” de Andrei Tarkovski, cujas fragmentos se miscenizam com outros elementos. Mas por outro lado, também me agradaram algumas contemplações “hipnóticas”: intimistas, como, e sempre, a memória da boa pintura flamenga barroca; e também as tempestades telúricas de algumas pinturas românticas, sobretudo de Caspar David Friedrich, como O Mar de Gelo, c.1823-1824. Claro está que essas referências funcionam como paradigmas e metáforas, pois para além de retirar o excesso de ruído das imagens que “cacei”, inclui outros elementos que substitui pelos originais e que se sobrepôem a essas memórias. Pétalas soltas e compressas sobrepôem-se a esses cenários. Os fundos são limpos. As rochas e os blocos de gelo de Friederich são substituídos por “flocos” de pétalas dançantes, às vezes em repouso, outras vezes em suspensão. Conserva-se ainda assim essa luz congelante e intemporal, na qual não somos nunca indiferentes, mas abrem-se novos cenários, pois nunca nos banhamos nas mesmas águas.
Refresh, refresh, refresh!
António Trindade, Junho de 2012
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