Exposição anterior:
Angela Sanchéz
A SOMBRA DO AR
de 2016-08-24
a 2016-09-23
Ángela Sánchez: o desenho do que se não vê
Uma das incertas origens do desenho chegar-nos-ia do voo das aves, como esses bandos de estorninhos e o seu sfumato no plano do ocaso, ou do enroscar-se das serpentes, lianas, heras e minhocas; das ondas configuradas pelas ervas aquáticas nos bordos dos arroios, caracoleando entre remoinhos, correntes, salpicadelas… “A sombra do ar na erva”, que a Duchamp parecia o mais leve e belo dos desenhos, ou talvez a areia lisa na praia, as ondas, as estrias em que um talude de areia se vá decompondo erodido pelo ar ou pelos sulcos de água.
A natureza presta-se mais ao elogio do sarrabisco do que ao rigor da geometria, e de aí parece retirar Ángela Sánchez o impulso inicial para uma obra, como a sua, tão abstracta, e tão evocadora de sensações já conhecidas pelo nosso corpo.
E é que as forças que animam o mundo se concretizam nestes desenhos feitos de apenas nada, com pouco mais que sinuosas varridelas girando sobre si para deixarem o rasto de um cabelo húmido e entrelaçado. O que o corpo sente tende aqui a desmaterializar-se, deixando o olhar suspenso frente a estes gráficos cheios de movimento sem qualquer gasto de energia (o sonho moderno!): as correntes de ar, os remoinhos, os sopros que em algum momento nos envolveram; as cortinas de fumo ou névoa, ou de fogo inclusive; o efeito de desfocagem perante uma paisagem que vibra reaquecida… O ir e vir de um certo perfume que flutua como uma nuvem invisível no meio da atmosfera estática da primavera, e que qualquer brisa faz desaparecer, desvanecendo-se e obrigando-nos a seguir um rasto invisível. Justamente assim, exatamente, entrevemos sempre algo nos arabescos de Ángela.
Por isso não seria exagerado dizer que o seu desenho torna visível a energia oculta que anima o rosto da natureza, apresentando-no-la sempre como uma experiência tão excitante, variada e bela. A partir da sua contenção e economia de meios, estes papéis funcionam como uma espécie de sismógrafo cuja agulha, o instrumento do desenho, está ligada a um mecanismo de máxima sensibilidade e estranha precisão a que chamamos corpo.
Oscar Alonso Molina, agosto 2016