Exposição anterior:
Isabel Garcia
Save Our Ship
de 2024-05-17
a 2024-06-21
O navio que nos transporta
O navio que nos transporta está em perigo. É esta percepção do mundo que Isabel
Garcia propõe através do tema da sua exposição “Save Our Ship”, entendida como um
SOS que recorda o código Morse: um pedido de socorro ou um grito colectivo desesperado
sobre o futuro da vida no planeta devido às crises generalizadas provocadas pelas crises
climáticas e pela pandemia. (…)
(…) Cada pintura devolve-nos fragmentos imaginários desse futuro em aberto. Se em
“Save Our Ship, citando Anish Kapoor” evoca a exposição “Turning the World Upside
Down” (2011) deste artista e as suas esculturas com superfícies reflectoras, ao contrário de
Kapoor, Isabel Garcia não pretende “virar o mundo de pernas para o ar”, nem suscitar a
contemplação. O seu objectivo é mais urgente e pragmático. Na série de pinturas de
paisagens agora apresentadas – como em “Save Our Ship # 1”, “Save Our Ship
Tempestade” ou “Save Our Ship Luar” – sentimos a força dos elementos ambientais.
Apesar da sua dramaticidade o nosso olhar encontra, estranhamente, na profundidade da
paisagem uma sensação de espaço-tempo. Temperatura, pluviosidade, luminosidade,
profundidade e pressão atmosférica parecem todas elas absorver estes céus em
movimento que se expandem, tal como as montanhas que desaparecem no horizonte. São
céus mais ou menos ameaçadores; montanhas escarpadas também assustadoras; e
plantas, fetos que crescem e desabrocham.
Estas paisagens são construídas com perspectivas em altitude, cujos horizontes
parecem prolongar-se para lá dos limites da tela. Depois, são paisagens que se encadeiam
umas nas outras, formando sequências de imagens que transmitem diferentes sensações e
estados perceptivos. Pintura expandida e sensorial na qual irrompe uma teatralidade
cinematográfica. Os elementos dos pequenos abrigos são agenciadores ou operadores de
significado, tal como os elementos dos pães em “Save Our Ship, # 2”, “# 3”, “#4”, “# 6”, ou
“# 7”. Neles, podem esconder-se perigos que espreitam, tais como minas e armas brancas
como soqueiras. Mas quando vem a aurora e tudo parece renascer, a esperança brilha no
horizonte e o coelho da abundância salta do seu esconderijo. Identicamente, os pães, como
sementes que se abrigam ou suspendem no ar, remetem para a ideia de multiplicação,
espalhando-se na atmosfera.
Como construir então uma ecologia política como advogam os pensadores ecologistas?
Teremos de construir novos modelos institucionais, mudanças éticas e novas formas de
coexistir. Seremos capazes de novas formas de cidadania? São estas questões que ao
conversarmos com Isabel Garcia nos interpelaram ao observar a proposta pictórica de
“Save Our Ship”; ideias que podem actuar e transformar consciências, desencadear
conversas e acções mais ou menos visíveis em nós ao olharmos estas obras.
E creio não ser despiciendo afirmar que a estratégia formal de revisitação da pintura
clássica deu a Isabel Garcia a possibilidade de a transmutar, enquanto construiu um forte
dispositivo comunicacional mais directo para transmitir as questões que a preocupam.
“Poppy Day” * será talvez o fecho da exposição, enquanto símbolo plur-isemântico das
memórias das guerras do século XX. Num momento em que assistimos a mutações
climáticas que afectam a natureza e os seres humanos e não humanos, todos têm de ser
vistos como uma única colectividade ameaçada de extinção. Pois aqui está a arte a
interrogar o futuro do planeta!
Filomena Serra **
*Poppy Day (11 de Novembro) é o dia da lembrança nos países da Commonwealth para recordar os
sacrifícios dos membros das forças armadas e civis em tempos de guerra, sobretudo desde a primeira
guerra mundial.
**Historiadora de Arte e investigadora do Instituto de História Contemporânea da FCSH/Universidade
Nova de Lisboa.