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Xavier Garrett

Cursed Images

de 0000-00-00 a 0000-00-00

Cursed Images de Xavier Garrett
Compreender o que se vê é um dos exercícios que os artistas realizam permanentemente. O que estou a
ver (?), o que me mostra esta imagem (?), o que há de estranho nesta imagem (?) são as questões colocadas
pelas Cursed Images. Como expressão que dá título a esta exposição, pode ser traduzida por
“imagens más”, não no sentido de mostrarem um acto de maldade, mas no sentido de terem pouca
qualidade e causarem uma estranheza. A pouca qualidade pode manifestar-se pela falta de definição
(digital) ou pela ambiguidade da própria imagem. A pouca definição permite-nos ver os pixéis, ou seja, a
matéria de que a imagem digital é feita, os pontos de luz colorida dispersos por uma área específica.
Quanto menos pontos de luz existem na imagem, maiores se tornam e menos nítidas são as figuras que
representam. No limite, esta imagem abstractiza-se até só restarem pontos luminosos que nada definem.
Por seu lado, a ambiguidade da imagem advém de outras estratégias, como, por exemplo, um mau
enquadramento que deforma as figuras tornando-as irreconhecíveis ou, outro exemplo, a falta do contexto
de onde deriva. Isto acontece porque muitas das imagens são fotográficas e digitais. Xavier Garrett é
um pintor que assume as suas referências nestas imagens (do fotojornalismo às redes sociais).
O conjunto de pinturas que configura a exposição Cursed Images mostram-nos um olhar atento à
estranheza, ao detalhe, à crítica social e ao humor – o humor crítico à cultura americana (e à sua assimilação
cega pela cultura europeia) em situações onde se vê figuras de violência associadas a representações
“fofinhas” (numa tradução de cute, adjectivo utilizado, por sua vez, pela cultura da Anime e do Manga
japoneses). Estes cruzamentos culturais – uma evidência da globalização e um efeito das redes sociais –
são expressos em pinturas que nos mostram, por exemplo, um gatinho amarelo, doméstico, deitado
sobre lençóis brancos com a pata sobre uma arma negra. Misturando uma certa conotação de inocência
(que o gato doméstico propõe) com a de delinquência (que é proposta pela arma), ao olharmos esta
imagem não se pondera que o gato amarelo esteja com uma arma por auto-defesa.
Outro exemplo de humor e inteligência visual é a pintura onde se vê um carro dentro de uma carrinha
dentro de um camião. Questionamo-nos se há mais algum veículo dentro do carro, numa cena de encaixe,
como se fossem matrioskas ou em mise-en-abyme. O mise-en-abyme é uma estratégia de repetição de
uma coisa dentro de si mesma (neste caso, são veículos), repetidamente, e sempre numa escala mais
pequena. Xavier Garrett apresenta-nos uma imagem produzida com este conceito e perante a qual não
deixamos de sorrir.
Outro exemplo onde o nosso sorriso aparece é na pintura onde a criança de 6 anos, vestida com uma
t-shirt de padrão camuflado (um pequeno soldado), aprende a escrever com o rato do computador. No
seu exercício de demonstração do domínio da motricidade fina, o menino-soldado rebela-se contra a
escola, escrevendo no ecrã: “Fuck this school” com toda a correcção ortográfica, mas misturando letras
maiúsculas e minúsculas.
Outros exemplos do humor de Xavier Garret estão na família com “cara de pizza”, uma paródia à alimentação
por fast food, ou a ironia do palhaço a ver palhaçadas no ecrã do seu telemóvel ou, ainda, a estupidez
inconsequente (própria de certas etapas do desenvolvimento humano, como a adolescência) de um
homem a fazer o pino numa casa de banho. Finalmente, o que faz destas pinturas Curses Images? Porque
derivam de uma escolha de imagens, insólitas, estranhas, bizarras, extravagantes e indefinidas (em certas
áreas da sua composição), escolha feita a partir da enorme oferta disponível nas redes sociais e noutros
meios de comunicação. Perante a fraca definição da imagem de origem, perante a perda de contexto do
que está a ser visto – o que em parte contribui para a acentuar o humor –, perante a ambiguidade do
enquadramento, Xavier Garrett, como pintor contemporâneo, tem de imaginar o que falta, representar e
desambiguar cada figura e resolver cada uma das suas imagens de referência como pintura. Por tudo isto,
a eleição destas imagens não é nem fácil, nem óbvia, nem aleatória, e acrescenta-se que, fazendo par
com um conjunto significativo de artistas que perseguem cursed images, Xavier Garrett segue um código
de honra onde evita representar as imagens já tomadas por outros pintores.
As Cursed Images de Xavier Garrett mostram-nos o seu talento como pintor, a sua inteligência para
pensar, seleccionar e resolver imagens como pintura e deixa-nos na expectativa de mais.
Margarida Prieto
Lisboa, 05 de Fevereiro de 2023.

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