Exposição anterior:
Eugénia Reigadas
Uma Nova Primavera
de 2021-04-07
a 2021-05-21
Uma Nova Primavera
Eugénia Reigadas é uma mulher de ligações. Nutre memórias, nutre afectos, nutre relações.
Há vinte anos que não pintava. A sua última exposição teve lugar em 1998, na galeria Arte Periférica, fundada pelo filho e pela nora. O curso de Pintura, Desenho e História de Arte que frequentou na Sociedade Nacional de Belas Artes para preencher o vazio que a emancipação dos filhos tinha deixado, cedeu lugar a um novo plano, o de dar apoio ao projecto da Arte Periférica. A dedicação plena com que investe em cada etapa impediu que a pintura tivesse lugar. As horas do dia não chegavam para responder a tudo, mas as memórias, as vivências e os afectos iam encaixando, como peças de um puzzle.
As novas pinturas a óleo de Eugénia Reigadas, iniciadas em 2018 e até 2021, não traçam uma linha de continuidade com as pinturas apresentadas em 1998, em técnica e em motivo. Se em 1998 Eugénia favorecia o uso da espátula e raramente revelava um tema, apesar de sentirmos quase sempre o elemento água presente, as pinturas recentes assumem-se como um hino naïve à natureza, à fertilidade e ao telúrico.
Podemos sem dificuldade encontrar um paralelo com a obra de Henri Rousseau. O contacto tardio com a pintura, a paixão pela natureza, no caso de Eugénia, sempre ligada às memórias de uma infância feliz no campo, onde lhe era permitido plantar, ter o seu canteiro de flores ou passear livremente pela paisagem rural, surgem de forma espontânea na tela. A despreocupação em criar efeitos realistas, na perspectiva ou na paleta de cores, confere a estas obras uma exuberância que as coloca num patamar de irrealidade, apesar do referente concreto. Não é o onírico que é convocado, é a memória. Eugénia Reigadas pinta sempre no atelier, um espaço urbano, sem vista e sem se socorrer de imagens inspiradoras, deixando que as imagens deslizem, do cérebro à mão, carretel interior que desfila em loop. As horas passam no atelier, o transe - de comunhão com um passado filtrado pela distância, geográfica e temporal, - é produtivo e são muitas as telas pintadas.
A expressão de um referencial folclórico, de alusão ao festivo e às romarias, tem por base uma adolescência protegida, onde as saídas entre amigos se faziam ao abrigo das festas religiosas, muitas de génese pagã. As imagens são explosões de cor e vitalidade, o pincel obedece ao traço vigoroso, tudo celebra um renascer, um florir. As oliveiras carregadas de fruto, as espigas e as árvores de pomar – cerejeiras e ameixoeiras – partilham o espaço com a cameleira em flor, as hortênsias, as gerberas, os lírios ou os crisântemos. Esta luxúria vegetalista e simbólica – distribuída ao longo de caminhos, de montes ou em torno de nascentes ou pequenos lagos de águas translúcidas – são um louvor à vida.
Estava esta exposição prevista para se realizar quando a artista fizesse 80 anos. Aconteceu realizar-se agora, num tempo estranho, condicionado, com recolhimento obrigatório. Confinado. As obras de Eugénia Reigadas abrem caminho ao olhar, a um espaço despovoado, mas não vazio, onde se sente vibrar a luminosidade e o calor da estação que se aproxima.Se pudéssemos escolher uma estação do ano para representar a juventude seria obviamente a Primavera. Aos 78 anos, durante uma pandemia, Eugénia Reigadas convoca uma nova Primavera.
Sandra Santos
março2021
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