Exposição anterior:
Nicoleta Sandulescu
Múltipla Singularidade
de 2020-02-22
a 2020-05-17
As obras apresentadas pertencem a uma série que dá continuidade a uma investigação onde o corpo
múltiplo se abre para reflectir o espaço de forma patética.
Nestas imagens, parte do dispositivo cénico é real mas parte é encenado; a encenação nestas
imagens constitui-se pela introdução de vários “acessórios de cena” e pelo corpo e a atuação do
mesmo. Neste aglomerado de diversos objetos que povoam a casa (todas as casas), a presença
destes (desde a cafeteira, a aparelhagem desatualizada, até ao moderno aparelho de televisão,
cadeira, máquina de lavar loiça, esfregona, cama desdobrável, espelho, escadote, aspirador,
guarda-chuva, colchão, panelas, ralador, etc.), são a prova de um “património humano”. O espaço da
casa traz consigo a devastação do tempo e uma intimidade do sujeito que é perturbada por objectos
e recordações — uma memória vivencial que se foi formando ao longo do tempo e se apresenta nestas
imagens como um pequeno palco das vivências pessoais. Mas, nesta casa nem tudo o que parece é;
ao contrário das casas verdadeiras, aqui alguns objetos são inúteis/desenquadrados. E ao serem
inúteis ganham uma liberdade que, antes, não tinham.
Múltipla Singularidade é o ponto de partida para uma investigação sobre a multiplicidade do eu
singular. Afirma-se a importância do corpo enquanto instrumento, onde existe uma materialização
deste eu em eu fragmentado tornado real através da pintura. O corpo como meio expressivo, que
interage com o espaço da casa e que deixa de ter identidade parece ter-se constituído como “objecto”
fulcral de análise. Uma máscara de uma identidade possível existe, portanto com natureza , que
parece ser inerente enquanto indivíduo singular e, simultaneamente, ser múltiplo.
O corpo em pose é redesenhado constante e profundamente através das imagens que, a partir dele,
são criadas e que, de alguma forma, devolvem o reflexo, transformando-o a cada olhar. Este corpo
experiência a teatralidade, a encenação, o gesto e o movimento e é representado como um constante
devir, em permanente confronto entre forças divergentes que lhe conferem desequilíbrio, dinamismo,
espontaneidade, imprevisibilidade e impermanência.
Portanto, retomado constantemente o mesmo modelo (singular), a pintura é de novo confrontada com
“o acontecer” (o que acontece na experiência e que não sabemos definir ao certo) agora já diferente
(múltiplo). Com um olhar renovado sobre a materialidade temática, a cor e a composição, a imagem
pictórica surge “sonhadora”, etérea e abstrata, ou seja, menos realista, e mais introspetiva.
Múltipla Singularidade surge de uma dúvida. De uma hesitação. Há, nesta série, uma vontade de tomar
várias direções. Há uma necessidade de desdobrar-se em vários e continuar a ser apenas um.
Nicoleta Sandulescu